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O mito "Ex Oriente Lux" na literatura portuguesa

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Academic year: 2022

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Monika Świda Université Jagellonne de Cracovie

O MITO ‘EX ORIENTE LUX’

NA LITERATURA PORTUGUESA

O orientalismo, como uma manifestação por excelencia doexotismo, constituitantoumtema,comoum dos principiosestéticos e filológi­ cos fundamentais nas tentativas da definição do Romantismoeuro­ peu.A descobertado Oriente,da suacultura,religiãoe arte,mesmo que encarada sobretudo soba forma da aventurainterior, éum dos elementos que informam a mundividéncia romántica.Na Europa do séculoXVIIInasceo interesse pelo Orienteno ámbito científico, ñas universidades aparecem as cátedras das línguas orientais, fazendo com queessaárea começasse a ser explorada de maneira sistemática e competente. Além disso, o Oriente torna-seo sinónimoda viagem quevisa o conhecimento não apenas de urna cultura diferente, mas decultura considerada alternativaem relação ao patrimonio greco- -romano, a baseda cultura europeia. Oorientalismo románticoestá ligado aos diversos aspectos davida cultural da época, originando manifestações de teor filosófico, historiosófico, estético, psicológi­

co e político, o que o torna umelemento fortementeprogramático.

O fascínio pelo Oriente com frequência associa-se às questões re­

lacionadas com a independencia nacional de varias comunidades, oque de maneira evidenteimpossibilita a sua definiçãono ámbito do simplesexotismo,concentrado na cor local, na atracção pelo diferen­ te. O que também distingue o interesse romântico pelo Oriente do meroexotismoé a atitude virada à profundidade espiritual da cultura orientale às oportunidadesdo desenvolvimento e até iniciação que

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estapode oferecer ao homem ocidental. O facto de os românticos europeus situarem lá o homem primitivo no sentido rousseaunia- no, assimcomo o papel do irracionalismoe instintivismoatribuído por eles a esta cultura são também responsáveis pela interpretação do Oriente nos termos dealternativa para a cultura clássica, fazen­ do com que, deste modo, o orientalismo romântico ganhasse uma importância ideológica e programática. O interesse dos românticos pelo Oriente igualmenteestá na basedo orientalismo detodoo sécu­

loXIX,com especial relevo na poesiafinissecular,emváriasdas suas manifestações,principalmente na forma domito,, Ex Oriente lux”.

Obviamente todo o orientalismooitocentista não passava de uma construção mental do outro exótico por partedo homem europeu, o que foievidenciadopor Edward Said.O Oriente que nos interessa aqui foipor este investigador definido como „um sistema de repre­ sentações enquadrado por todoumconjuntodeforças queintrodu­ ziram o Oriente na cultura ocidental, na consciência ocidentale,mais tarde, no império ocidental”1. O Orientalismo oitocentista abrange várias manifestaçõesliterárias, tanto no que serefere ao tratamen­

to do Oriente como tema literário, como na área dos significados filosóficos e ideológicos, tais como (segundo a tipología de Marta Piwińska2) o Oriente como o lugar da misteriosa, irracional sabe­ doria das antinomias reconciliadas; o Oriente comoo destino da viagem iniciática quefaz parte da educação cultural; o Oriente como o sinónimo da aventura interior, no sentido esotérico; o Oriente como umcenário pitoresco da guerra;afinal,oOriente como o sím­

bolo do mundo decadente. Todas estas acepções do Oriente abun­ dam nas letras românticas, desde Goethe, Byrone Chateaubriand, porSchlegel, Schopenhauer eNovalis até Hugo, Hoffmann,Lamar­

tine e Nerval. Neste quadro a literaturaportuguesa destaca-se como o exemplo da ausência não só do fascínio pela sabedoria oriental, masdequalquerreferência mais aprofundada ao Oriente mítico ou

1 E. Said, Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente, São Paulo 2001, p. 209.

2 Cf. M. P i w i ń s k a, Orientalizm, [in: ] Słownik literatury polskiej XIX wieku, red.

J. Bachórz, A. Kowalczyków a, Wrocław-Warszawa 2002, pp. 655-660.

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O mito ‘Ex Oriente Lux’ na literatura portuguesa 357 real que tantoatraiaos escritores europeusda época. Este aspecto excepcionalda literatura portuguesa tem varias razões que tentarei nestelugar analisar.

Portugal, o paísque iniciou a epopeia das viagens ultramarinas eo primeiroquese instalou no Oriente, tem uma relação peculiar com esta parte do mundo. São os viajantes, escritores, cronistas e soldados portugueses responsáveis pelo conhecimento primario de muitos destesterritorios, vistoque são eles osautores dos relatos dasviagens e descrições da realidadeorientalqueindubitavelmente influenciaram a percepção europeia destas regiões. Seis anos após a chegada de Vasco da Gamaà índia, Portugal criou láum organis­

mo político chamado Estado da índia que perdurou, embora com oterritório cada vez mais reduzido, até ao século XX, se bem que o seu período gloriososelimitasseàépoca da sua criação e início da existência, a seguirdasconquistas de Afonso deAlbuquerque. O Es­

tado da índia, apesar de manifestar, desde a inauguração, a incom­

patibilidade da efectividade do poder sobre o território espalhado e do aparato institucional e simbólico3, depressa se tornou o mito da exuberância e o sinónimo do sonho imperialportuguês, o que fez com que a grande parte da produçãoda chamada literatura das viagens, etambém a epopeia renascentista de Camões, se referisse a este tema de maneira singular, manifestando a atitude mitocria- dora, mesmo que desdeo início ambígua. Os historiadores - tanto JoãodeBarros, o autor das Décadas da Asia, comoo seucontinuador Diogo de Couto, sendo os humanistas enraizadosna cultura greco- -latina,procedem uma mitificação do Oriente e da gesta portugue­ sa, nãose debruçando muito sobrea sua realidade ou a sua cultura.

Ambos os autores enquadram a índia portuguesa na visão mítica das viagens,concebendo o Estado da índia como o paraíso perdido dos Descobrimentos portugueses4e apresentando umaimagemdo declíniocausado pelaincapacidade portuguesade governação justa 3 Cf. R. Ramos, B. Vasconcelos e Sousa, N.G. Monteiro, História

de Portugal, Lisboa 2010, p. 220.

4 Cf. Á.M. Machado, O mito do Oriente na Literatura Portuguesa, Lisboa 1983, p.31.

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e dignadeste território. O pico desteprocesso datransfiguração sim­

bólica do Orientee da própria gesta dos Descobrimentos ultramari­

nos é atingido na obra de Luísde Camões, tantoOs Lusíadas, como os poemas líricosquesereferemàssuas experiencias pessoais do sol­

dado e empregado do estado5. Como afirmaEduardoLourenço,no texto camonianoaDescoberta-Mito converteu-se no MitodasDes­ cobertas, sendo o texto d’OsLusíadas „mais inesgotável do que as Descobertas reais”6, aspróprias Descobertas tornando-se„elas mes- mas um continente revisitado”7, constantemente reescrito. Depois de Camões o tema oriental ausenta-se da literatura portuguesa, para reaparecernos inícios da modernidadeno contextobem diferente.

5 Cf. ibidem, p. 51.

6 E. Lourenço, As descobertas como mito e o mito das descobertas, [in :] idem, A morte do Colombo. Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito, Lisboa 2005, p. 39.

7 Ibidem, p. 40.

Este regresso opera-se, embora de maneira bastante específi­ ca, através da evocação da biografia já mítica de Camões, no Pré- -Romantismo português, na poesia de Manuel Maria Barbosa du Bocage.A base dapresençadoOriente na poesia deBocage é criada através da identificação do poeta com Camões no plano do exilio e da metáfora da decadencia do imperio. Opróprio Bocage fez urna viagem àíndia eà China, concebendo-a como o desterro comparável ao camoniano, e queo levou àexaltação nacionalista, que se reflec­ te no famoso poema *** Camões, grande Camões. Tantoa evocação da índia, como ada China, é em Bocage altamente convencional, reduzindo-se às referencias e descrições superficiais cuja função úni­ ca éa apresentação do estado do espirito do eu lírico do ente lan­ çado no mundodo outro. A falta dointeresse peloOriente nopré- -romántico Bocageé nítida e será ainda mais evidente no primeiro Romantismo português.

NemAlmeida Garrett, nem Alexandre Herculano, os primeiros românticos portugueses, sesentiam atraídospela riquezadoorien­ talismo. Na obrainicial do Romantismo português, Camões, publi­ cada em 1825, onde serealiza a identificação da figura mítica do vate

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O mito ‘Ex Oriente Lux’ na literatura portuguesa 359 nacional com a Pátria, o tempo passado pelo poetaquinhentistano Oriente é silenciado. Garrett não só não aproveita a oportunidade da descriçãodas paisagens exóticas que constituíam ocenário da es­ crita da epopeia dos descobrimentos portugueses, mas até, no plano simbólico, desvaloriza aideiada conquista daíndia. Aimagemdo Orientelimita-se à menção dos„ermos ecos de estrangeiras grutas”8 9 na apostrofe ao amigo que abre o poema, visto que a paráfrase emu­

lativado texto da epopeia camoniananão pode ser tomadaem con­ sideração. O período davida passado porCamões no Oriente não tem para Garrettnenhumvalor pitoresco nem ideológico.OseuCa­ mõesé um herói altamentetrágico, que volta dodegredo parasim­

bolicamente morrercom a patria. Segundo EduardoLourenço, com oCamões garrettiano começa o processo da autognose dePortugal’, o quepode traduzir nestaobra a ausencia doOriente mitificado que reenvia à derrota imperial10.

8 A. Garrett, Camões, Lisboa 1946, p. 5.

9 Cf. E. L o u r e n ç o, O labirinto da Saudade. Psicanálise mítica do destino portu­

guês, Lisboa 2004, p. 85.

10 Também o inacabado drama juvenil dedicado à personagem de Afonso de Al­

buquerque é apenas a ocasião para o exame crítico da expansão colonial por­

tuguesa do ponto de vista da ideologia liberal, cf. E. Łukaszyk, Terytorium a świat. Wyobrażeniowe konfiguracje przestrzeni w literaturze portugalskiej od schyłku średniowiecza do współczesności, Kraków 2003, p. 144.

O Orientecomo o espaço da expansãopor excelencia reaparece na obra garrettianaem ligação com o sebastianismo nomaior dra­ ma románticoportugués, FreíLuís de Sousa. No Freí Luís deSousa a tragedia é desencadeadapelo João de Portugal, guerreiro desapa­ recido após a batalha de Alcacer-Quibir, que após varios anos passa­

dos em cativeiro em Jerusalém regressa a Portugal como „ninguém” para destruir a vidada suamulher, casada em segundasbodas com Manuel de Sousa, fazendo com que a filha deles morresse de ver­

gonha. O regresso doD. João de Portugal destrói avidafamiliar da Madalena e Miguel e directamente leva à morte da filha deles,o que, através da figura do Teimo, sebastianista convencido, mostra osre­

sultados catastróficos da intervenção dos retornados mortos-vivos

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360 Monika Swida nopresente. A figura fantasmática de D. João dePortugal, desapare­ cido após a derrota de Alcácer-Quibir e durante varios anos tornado escravo no Próximo Oriente, relaciona-se com a ideia do imperio e doOrienteindicando asdesgraças quevém do simbólico retorno do passado. Estestópicos levam-nosà outra circunstancia que deve ser mencionada neste âmbito, quer dizer o lugar do sebastianismo no quadro do orientalismo português. O sebastianismo e o mito doQuinto Imperiofazem com queoselementos tão valorizados na mundividéncia romántica e procurados na cultura oriental como o irracionalismo e¡materialismo,assim como a nova mitologia que segundo Schlegeldevia ser encontrada no Oriente, estivessem bem presentes na portuguesa culturamoderna e que o Romantismopor­ tuguêsse pretendesselibertar deste fardoirracional a favor dagradu­

al e racional eliminaçãodo atraso mental em relaçãoà Europa11.

11 É também esta a razão da forte identificação da noção do Oriente com o Extre­

mo Oriente, visto que o Oriente mais próximo, o árabe, constitui na acepção portuguesa do orientalismo um caso excepcional : dado que a herança árabe faz parte da cultura portuguesa, tanto do ponto de vista linguístico, como ima­

ginario, o que foi de maior ou menor maneira aproveitado na construção das teorias de cariz nacionalista (tais como, por exemplo, o saudosismo pascoae- siano que se baseia no exame da união dos elementos árias e semíticos na alma portuguesa). Por esta razão o conceito do Oriente reenvia na cultura portuguesa aos territorios do Extremo Oriente, sobretudo à índia.

De mesmomodo, o Oriente está absolutamente ausente na obra dosegundogrande romântico português, Alexandre Herculano, não apenas comopoeta, mas também na qualidade doautor dos roman­

ceshistóricos que situam os principios fundadores da nação na épo­ ca do dominovisigótico. Quanto à literatura posterior, podemos sem hesitação admitir, quenem na poesiado Romantismo tardio de An­

tera de Quental, nem no Simbolismo de Camilo Pessanhao orienta­

lismo atingeo nivelque podia sercomparado comaimportancia que esteconjuntode ideias estéticas e filosóficas desempenhava na poe­ siaoitocentista europeia. Nos sonetos de Antera de Quental é pos­

sível detectar a atracção pelo budismo, que sedava bem com o seu niilismo, todaviaparece que o que é responsável por este interesse

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O mito 'Ex Oriente Lux’ na literatura portuguesa 361 émais a influencia baudelairiana e schopenhaueriana do quea pró­ pria cultura oriental.Também no casode AntonioFeijó ouEugenio de Castropodemos arriscar a hipótese de que ointeresse superficial e o uso decorativo dos elementosorientais vêm antesda estética do parnasianismo e simbolismo importados da França do que do verda­ deiro interessepelo Oriente. De mesmomodo,o argumento de opri­ meiro Romantismo português não serplenamente romântico, além de ser justo12, não tem neste caso uma grande importância, vistoque neste tardio Romantismo original, situadopor vários investigadores na segunda metade do século XIXe encontrado na obra de Antero deQuental ou Teixeira de Pascoaes, asituaçãonão muda : as refe­ rências ao Oriente que aparecem na obra do primeiro nãopassam de evocações superficiais eesquematizadas, ao passoque nostextos de Pascoaes, tanto poéticos,como ideológicos, estão completamente inexistentes. Portanto, podemos assumir que esta ausênciado mito oriental é uma marca mais profunda da cultura portuguesa e é pre­ ciso buscar assuas raízes no nívelmais elementardo que o simples atraso da adopção das inspirações românticas europeias.

12 Cf. J.C. Seabra Pereira, História crítica da literatura portuguesa. Do Fim- -de-Século ao Modernismo, Lisboa 1995, p. 419 e F. Guimarães, Poética do Simbolismo em Portugal, Lisboa 1990, p. 9.

Pareceque as causas responsáveis pela ausência do Orientena literatura do Romantismo português podem ser elucidadas por dois conjuntos de explicações : o primeiro, mais banal, é o facto de oOriente não ser paraos portugueses tão exóticocomo para os outros românticos europeus. Os contactos ea existênciada abun­ danteliteratura de viagens ultramarinas, comasdescriçõesmaisou menos verídicas dos territórios orientais, faziam com que a atrac- çãopor esta parte do mundo devesse ser um poucomais reduzida no caso dos portugueses. Outro motivo é mais complexo e refere- -seàideiadadecadência do império português noOriente, quase inseparável da visão do Estado da índia desde o inícioda sua exis­

tência. Já nas obras deDamião de Góis ou João de Barros, o Impé­

rio Oriental encontra-se apresentado como decadente, degenerado,

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362 Monika Swida como uma derrota imperial de Portugal causada não tanto pela in­

capacidade estatal de uma plena colonização, mas antes pela cor­ rupçãoe fraqueza moral e cultural dos portugueses que nãoconse­

guem elevar-se à altura desta grande obra. A decadência do Estado da índiaé tanto mais significativa que traduz o insucesso do pro- jecto imperial português, inicialmente movido pelo ideário cristão damissão apostólica. A forte mitificação do Oriente desde oinício da sua presença no imaginário português fez com que fosse mais fácil a posterior incorporação deste elemento mitológico noutro contexto, mais vasto, ou seja oda decadência, constituindo o elo da ligação entro o mitodacruzadae o mito da decadência - parece que temos nestelugar aver com a manifestação de um par antinómico dosmitos que na teoria de António José Saraiva interpretam, numa relação dialéctica, a realidade portuguesa, ou mais precisamente com a substituiçãodo mito primordial da cruzada pelo contramito da decadência13. Ofacto de estesonho imperial seter decomposto, transformando-se muitodepressa numapolítica demáxima explo­ ração ouaté rapina dosterritórios descobertos ou subjugados, con­ tribuiu para a introdução definitiva do conceito no imaginárioda decadência na cultura portuguesa epara a sualigaçãocom o Orien­

te, que paradoxalmenteconservará a sua vertente mítica, inscrita na epopeiacamoniana. Aassociaçãodacultura oriental com o campo semântico dadecadência está presente também nas manifestações europeias do orientalismo oitocentista, todavia,não provoca nelas estafalta de interesse, antes pelo contrário : encontramos láumpra­ zer mórbido e o fascínio pelo mundo decadente, uma cultura em declínio. A ausência do orientalismo no Romantismo luso torna- -se neste caso a prova dafalha do imperialismoportuguês, o com­ provativo da desistência da ideia imperial. Em Portugalesta atitude relaciona-se também com a ideia romântica exacerbadamente de­ senvolvida naliteratura portuguesa, que é segundo Ewa Lukaszyk aideiadasacralizaçãodaterritório nacional que é responsável pela

13 Cf. A.J. Saraiva, A Cultura em Portugal. Teoria e História, livro I: Introdução Geral à Cultura Portuguesa, Lisboa 2007, p. 116.

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O mito 'Ex Oriente Lux’ na literatura portuguesa 363 concentração na exaltação dapátria14 e, ao mesmo tempo e espe­

cialmente no caso de Garrett, nas tentativas do combatedo atraso cultural e social provocado pelos séculos do isolamento da evolu­ ção cultural da Europa15. O desinteresse pelo Oriente seria então não tanto a falta de interesse pelo exotismo, mas antes a rejeição do modelo imperial que levou Portugal à decadência muito bem visível em todas as áreas de vidajá no início doséculo XIX. As via­

gensultramarinas são depois, em 1871, na celebérrima conferência de Antero de Quental, explícitamente indicadas comoumadastrês causasdadecadência dos povos peninsulares, oque, dadaaidenti­

ficação da ideia da expansão colonial com o Estado da índia, traduz de algum modo a ausência do orientalismona cultura portuguesa.

Esta teoria foi poucodepois desenvolvida sobretudo na História da Civilização Ibéricae História de Portugal por outro membro daGe­

ração de 70,Oliveira Martins. Contudo, parece que esta ideia jáestá bem presentena atitude dos românticos portugueses nas primeiras décadas do século e que aassociação do Oriente à ideia da deca­ dência no primeiroRomantismoportuguês antecipa o nascimento pleno desta consciência no meio intelectual dos membros daGe­

ração de 70. Corroborando a nossa hipótese, Miguel Real aponta

N Cf. E. Lukaszyk, op. cit. O século XIX é nesta óptica um momento muito peculiar no imaginário português por causa da concentração total no território nacional, na terra pátria, que antecedeu o despertar do interesse colonial pela Africa, tão notável na segunda metade dos oitocentos, tanto na intensificação da actividade económicas e política nas colónias africanas, como na literatura, no projecto do investimento das forças e ambições imperiais renascidas na área que até aquele momento quase não existia no mapa e imaginário imperial. Tudo isto fez com que o sonho imperial português, após várias décadas da suspensão das ambições coloniais, ressurgisse no imaginário português, embora em forma até então inexistente.

15 Foi também este escritor que abertamente refutou alguma parte das inspirações surgidas durante a evolução da corrente romântica originária, considerando-as inadequadas para o contexto português, cf. A.M. Machado, Almeida Garrett e o paradigma romântico europeu : modelos e modas [in :] Almeida Garrett. Um romântico, um moderno. Actas do Congresso Internacional Comemorativo do Bi- centanário do Nascimento do Escritor, org. O. Paiva Monteiro, M.H. San­

tana, vol. 1, Lisboa 2003, p. 46.

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para a decadência comoumadas dominantes da cultura portuguesa já no séculoXVII, denominando-a„húmus das teses sebastianistas e joanistas”16. Esta deslocaçãoparticular, provindo do factode todo o processo da orientalização dooriente, dasuamitificação ter tido lugar nacultura portuguesa,devido a condições históricas, unssé­ culos antes, fez com que a crise oriental, identificada com a crise imperial, também precedeu a europeia, cabendo já no Romantismo português.

16 M. Real, Introdução à Cultura Portuguesa. Séculos XIII a XIX, Lisboa 2011, p. 157.

Resumindo : na luz destasasserções aideia românticada rege­ neração da culturaeuropeia pelo Oriente não pode estar presente na cultura portuguesa, visto que o Oriente se encontra associado primeiro, à ideiadaderrota daambição imperial, e segundo e por conseguinte, à própria ideiadadecadência, a ideia-mestrade todo o século XIX em Portugal.Na culturaportuguesa oOriente nãosó não se relaciona à ideia de qualquer renascimento, mas em todos os relatos, aténosda época das viagens ultramarinas, evoca aideia oposta, ou sejaa da degeneração e primitivismo que sãovalorizados pejorativamente. É então a identificação da índia, o Oriente por ex­

celência, com a ideia da decadência,que fazcom que osromânticos portugueses não sintam atracção nenhuma por esta cultura, visto queestavam debatidos pela decadência visível em todas as áreasda cultura nacional. Parece então que na literaturadoRomantismopor­ tuguês a ideia dadecadência, provinda do infeliz passado imperial português, também patente na imagem do Oriente criada e nutrida pela literatura europeia,parece de talmodo dominar toda a reflexão sobre oOriente que até leva à sua total rejeição. O Oriente não en­ contra a sua expressão estética na literaturadosoitocentos em Por­

tugal. O casodarelação dePortugalpara com o Orienteparece-se com doistipos de relação distinguidos porEdwardSaid: de um lado, embora decadente eemplena decomposição,a índia continua aser o domínio português, como no casoda relação britânica, e de ou­ tro, o Oriente é já, como no caso da França, o lugar daperda, da

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O mito 'Ex Oriente Lux’ na literatura portuguesa 365 memória do insucesso dos planos imperiais17. A circunstânciapor­

tuguesa situa-se no ponto de encontro destas duas atitudes o que talvez seja de algum modo responsável pelasuaoriginalidade.

17 Cf. E. Said. on. cit.. d. 177.

Summary

The purpose of this article is a reflection on the absence of the idea ‘Ex Oriente Lux’ in Portuguese literature and culture, especially the nineteenth century, in the context of European Romanticism. The Romantic idea of the Oriental regeneration of the European culture cannot be present in the Portuguese culture, since the East is associated with the idea of the defeat of imperial ambition and, in consequence, with the idea of decadence, the keyword of the nineteenth century Portuguese imagery. Therefore the iden­

tification of India, considered the Orient par excellence, with the idea of decadence, is responsible for the Portuguese Romantic poet’s lack of inter­

est in Oriental culture.

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